5 de junho de 2012

Glauco Mattoso

Quem diabo é deus?

deus não é a antimatéria
deus não é o anticristo
deus não é o caos
deus não é o cosmo
não é um campo magnético
não é um corpo magnífico
não é a voz do povo
não é a paz do papa
deus não é um sapo horrendo
do lodo do brejo nojento
nem o excremento fedorento
mas podia ser
se não fosse aquele garoto
que me deflora a boca
e me degusta a sola
quando trepa comigo.

12 de março de 2012

Bertolt Brecht

O uso das palavras obscenas

Desmedido eu que vivo com medida
Amigos, deixai-me que vos explique
Com grosseiras palavras vos fustigue
Como se aos milhares fossem nesta vida!

Há palavras que a foder dão euforia:
Para o fodedor, foda é palavra louca
E se a palavra traz sempre na boca
Qualquer colchão furado o alivia.

O puro fodilhão é de enforcar!
Se ela o der até se esvaziar:
Bem. Maré não lava o que a arvore retém!

Só não façam lavagem ao juízo!
Do homem a arte é: foder e pensar.
(Mas o luxo do homem é: o riso). 

9 de fevereiro de 2012

Hilda Hilst

Toma-me.
A tua boca de linho sobre a minha boca Austera.
Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.
Tempo do corpo este tempo. Da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.
Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu delinqüescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa
De púrpura. De prata. De delicadeza.

12 de janeiro de 2012

Leila Miccolis

Bons tempos ou Saudosa Maloca

Namoro antigo: titia
na sala bordava um pano,
tomava conta, e ainda havia
entre nós dois... um piano...

Pra se mostrar, a vigia
tocava um rondó cigano,
tão mal, que ela enrubescia,
se ria de algum engano...

Por fim, como despedida,
a mais ousada bravata:
um beijo na minha tez.

E após a tua saída,
eu, titia e mais a gata,
surubávamos as três...

John Donne

A pulga

Repara nesta pulga e aprende bem
Quão pouco é o que me negas com desdém.
Ela sugou-me a mim e a ti depois,
Mesclando assim o sangue de nós dois.
E é certo que ninguém a isto aludo
Como pecado ou perda de virtude.
     Mas ela goza sem ter cortejado
     E incha de um sangue em dois revigorado:
     É mais do que teríamos logrado.

Poupa três vidas nesta que é capaz
De nos fazer casados, quase ou mais.
A pulga somos nós e este é o teu
Leito de núpcias. Ela nos prendeu,
Queiras ou não, e os outros contra nós,
Nos muros vivos deste Breu, a sós.
     E embora possas dar-me fim, não dês:
     É suicídio e sacrilégio, três
     Pecados em três mortes de uma vez.

Mas tinge de vermelho, indiferente,
A tua unha em sangue de inocente.
Que falta cometeu a pulga incauta
Salvo a mínima gota que te falta?
E te alegres de dizes que não sentes
Nem a ti nem a mim menos potentes.
     Então, tua cautela é desmedida.
     Tanta honra hei de tomar, se concedida,
     Quanto a morte da pulga à tua vida.