28 de setembro de 2011

Ulisses Borges

Vermelho

olhavas apenas.
que de olhar-te entendeste a noite.


de repente invento
um jeito fatal de te olhar
como quem não quer nada querendo tudo
só para ver se venta
pode ser também
que eu te arranque os olhos grandes da cara
e os coloque no lugar dos meus
para que com eles eu te olhe sob o teu olhar
numa noite morna como essa
abafada e sem razão
quem disse que era preciso?
se desde sempre entre nós
não houve lógica
que o que sentimos não era divisão
entre braços intrusos
mãos que escorregam sempre bobas
à procura de um canto pelo corpo
olhamos
porque ainda são vermelhos os olhares
e o desejo: boca que tu pintas só para veres manchar o cigarro.
*

Maxilar

apraz-me ainda mais
o gosto por trás do beijo
como o osso por trás da carne
cerne âmago maxilar que firma o desejo.

*

quem dera
se eu me teletransportar pudesse
no meio dessa tarde fria
para que aqueles olhos me vissem, concreto,
além da fotografia.

*

tu:
meu canto
esquina do corpo
ali onde os olhos viram.

(http://www.ulisses-borges.blogspot.com/)

Gueixa

Samba de breque

Mãos nos seios
boca em ancas
mãos no falo
me calo, me embalo
chocalho

Um samba de breque
no lugar do leque
que põe em cheque
o que está em chamas
quando tu me chamas
até a cama.



27 de setembro de 2011

Eunice Arruda

Tema

Deliberadamente
utilizamos
todas as zonas erógenas
submissos

aos animais
que transitavam a pele
submissos
a nossa disponibilidade
imerecida
sacudida
por buzinas
chuvas repentinas confundindo
as marcas de um caminho já
percorrido

Deliberadamente
entre suor e grunhido
molhado
o ritual foi cumprido

Só então nos devolvemos.

24 de setembro de 2011

Janice Caiafa

Luz/sem luz

Meia-lua escura
na unha é anel
de musa, ao céu
é ranhura de luz
no sexo marca difusa
vala ventosa que suga
com ar rarefeito

Palma acidental só vulto
varia vertente convulsa
versátil em ondas em outra
de uma estrela
ausente veluda
o rastro de pontas.

Luiz Gustavo

o olhar promissor
transcendeu o verso mudo
a imagem saindo da fotografia
em preto e branco assim como a vida
virou olhos de jade duas pérolas preciosas
querendo partir-me para sempre de si mesma
ao meio o ventre este que te carrega a(té) o fim

tremo : trema não temas ferrugens
entre os olhos fios fendas

são espelhos abrindo os gestos em ti tão
reveladores ancorada sobre o pulso
escorrendo entre os dedos e ardem
numa diáspora de dor onde ao avesso
sem medo beijavas o vento teus cabelos
pulsando suspiros a boca pulsando
sem trégua do olhar pulsando
cuja imagem preciso pulsar
o corpo o olhar a boca

(http://www.escarceunario.blogspot.com/)

23 de setembro de 2011

Jorge Lúcio de Campos

A origem do mundo

(a Gustave Courbet)

Há uma doença qualquer tagarela
nesse buço de quasares negros

ao meu lado; aqui comigo a carne
ferve aos poucos – cortes lentos

Mas por que não regurgita agora
a vulva cáqui linguaruda

sob a luz desenroscada
da manhã?

*

Poema paralelo às coxas

(a Regis Bonvicino)

de bruços
a penetro

casto
custo


*

A grande fachada

(a Wols)

Um passo à frente
algo simples – não

que procure algo –
apenas me esqueço

de que no raso da
nuca a espinha se

eriça – o velcro
do cu se abre no

afã de sempre –
hoje bem cedo

por toda parte
ou apenas isso.



Douglas Mondo

Puta-Maria

Infeliz vai sentida:
mal sabe o papel
que tem na vida.

Dar prazer e guarida;
do amor ser sossego
a quem nunca teve partida.

Do suor fazer tempero,
e da flor nunca ter afago;
doutro corpo o acre-cheiro.

O gozo presente negado,
e na pele o rasgo nu;
por amor algum trocado.

Infeliz vai adormecida;
pela paga não tem fome,
é gruta santa da forte cuspida.

É Maria,
é Puta-Maria,
é santa
da putaria.

Ricardo Kelmer

Poemas de saliva

Deslizo poemas de saliva
No rascunho da tua pele
Rimas profanas, estrofes abissais
O sentido profundo de um verso
Fala a língua dos teus gestos
Em convulsões gramaticais

Poemas recatados na tua pele sem pecado
Poemas de navalha no teu corpo sem perdão
A figura de linguagem do desejo
Fala a língua do meu beijo
Sem tradução

22 de setembro de 2011

Bertolt Brecht

O uso das palavras obscenas

Desmedido eu que vivo com medida
Amigos, deixai-me que vos explique
Com grosseiras palavras vos fustigue
Como se aos milhares fossem nesta vida!

Há palavras que a foder dão euforia:
Para o fodidor, foda é palavra louca
E se a palavra traz sempre na boca
Qualquer colchão furado o alivia.

O puro fodilhão é de enforcar!
Se ela o der até se esvaziar: bem.
Maré não lava o que a arvore retém!

Só não façam lavagem ao juizo!
Do homem a arte é: foder e pensar.
(Mas o luxo do homem é: o riso).


Bráulio Tavares

Poema da buceta cabeluda

A buceta da minha amada
tem pêlos barrocos,
lúdicos, profanos.
É faminta
como o polígono-das-secas
e cheia de ritmos
como o recôncavo-baiano.

A buceta da minha amada
é cabeluda
como um tapete persa.
É um buraco-negro
bem no meio do púbis
do Universo.

A buceta da minha amada
é cabeluda,
misteriosa, sonâmbula.
É bela como uma letra grega:
é o alfa-e-ômega dos meus segredos,
é um delta ardente sob os meus dedos
e na minha língua
é lambida.

 A buceta da minha amada
é um tesouro
é o Tosão de Ouro
é um tesão.
É cabeluda, e cabe, linda,
em minha mão.

A buceta da minha amada
me aperta dentro, de um tal jeito
que quase me morde;
e só não é mais cabeluda
do que as coisas que ela geme
quando a gente fode.

Waly Salomão

Exterior

Por que a poesia tem que se confinar?
às paredes de dentro da vulva do poema?
Por que proibir à poesia
estourar os limites do grelo
da greta
da gruta
e se espraiar além da grade
do sol nascido quadrado?

Por que a poesia tem que se sustentar
de pé, cartesiana milícia enfileirada,
obediente filha da pauta?
Por que a poesia não pode ficar de quatro
e se agachar e se esgueirar
para gozar
carpe diem!
fora da zona da página?

Por que a poesia de rabo preso
sem poder se operar
e, operada,
polimórfica e perversa,
não pode travestir-se
com os clitóris e balangandãs da lira?

E.M. de Melo e Castro

Enquanto um dedo esmaga

enquanto um dedo esmaga
uma curva ou um aro
outros dedos distendem
os tendões que entendem

no súbito na água
a luz vértice faro
os membros que se fendem
lábios que dizem rendem

quem diz cu diz a cona
em masculino estilo
as procuradas fendas afluentes

que no homem se excluem
na fêmea se completam
delta logo de lagos mijo nilo
*

Orgassema

de semântica sêmea
se insinua o sêmen
na lacona lagoa lacunar
e da sádica sede se ressente
o sentido
no sentido cunar.

se sádica ou sábia
quem o saberá?
Se salubre salgado
o teu sabor a odre
é a onda do útero
é terra que remorde
a espera de esperma
nas ásperas paredes.

e o significado vem
da fricção rítmica e formal
entre as mucosas rubras
do pênis, da vulva, da boca
ou da anal.
*

Cometa

cometa
meta no cu
a treta
da baioneta
na teta
ponha o peru
na
porra preta
punheta
meta no cu
o cometa

21 de setembro de 2011

Allen Ginsberg

Poema de amor sobre um tema de Whitman

Entrarei silencioso no quarto de dormir e me deitarei
entre noivo e noiva,
esses corpos caídos do céu esperando nus em sobressalto,
braços pousados sobre os olhos na escuridão,
afundarei minha cara em seus ombros e seios, respirarei tua pele
e acariciarei e beijarei a nuca e a boca e mostrarei seu traseiro,
pernas erguidas e dobradas para receber,
caralho atormentado na escuridão, atacando,
levantado do buraco até a cabeça pulsante,
corpos entrelaçados nus e trêmulos,
coxas quentes e nádegas enfiadas uma na outra
e os olhos, olhos cintilando encantadores,
abrindo-se em olhares e abandono,
e os gemidos do movimento, vozes, mãos no ar, mãos entre as coxas,
mãos, na umidade de macios quadris, palpitante contração de ventres
até que o branco venha jorrar no turbilhão dos lençóis
e a noiva grite pedindo perdão
e o noivo se cubra de lágrimas de paixão e compaixão
e eu me erga da cama saciado de últimos gestos íntimos
e beijos de adeus –
tudo isso antes que a mente desperte,
atrás das cortinas e portas fechadas da casa escurecida
cujos habitantes perambulam insatisfeitos pela noite,
fantasmas desnudos buscando-se no silêncio.

Augusto dos Anjos

O lupanar

Ah! Por que monstruosíssimo motivo
Prenderam para sempre, nesta rede,
Dentro do ângulo diedro da parede,
A alma do homem polígamo e lascivo?!
Este lugar, moços do mundo, vêde:
É o grande bebedouro colectivo,
Onde os bandalhos, como um gado vivo,
Todas as noites, vêm matar a sede!
É o afrodístico leito do hetairismo,
A antecâmara lúbrica do abismo,
Em que é mister que o gênero humano entre,
Quando a promiscuidade aterradora
Matar a última força geradora
E comer o último óvulo do ventre!
*

Volúpia Imortal

Cuidas que o genesíaco prazer,
Fome do átomo e eurítmico transporte
De todas as moléculas, aborte
Na hora em que a nossa carne apodrecer?!

Não! Essa luz radial, em que arde o Ser,
Para a perpetuação da Espécie forte,
Tragicamente, ainda depois da morte,
Dentro dos ossos, continua a arder!

Surdos destarte a apóstrofes e brados,
Os nossos esqueletos descamados,
Em convulsivas contorções sensuais,

Haurindo o gás sulfídrico das covas,
Com essa volúpia das ossadas novas
Hão de ainda se apertar cada vez mais!

Arnaldo Antunes

O Tato

O olho enxerga o que deseja e o que não
Ouvido ouve o que deseja e o que não
O pinto duro pulsa forte como um coração
Trepar é o melhor remédio pra tesão
Um terço é muita penitência pra masturbação
A grávida não tem saudades da menstruação
Se não consegue fazer sexo vê televisão
Manteiga não se usa apenas pra passar no pão
Boceta não é cu mas ambos são palavrão
Gozo não significa ejaculação
O tato mais experiente é a palma da mão

O olho enxerga o que deseja e o que não
Ouvido ouve o que deseja e o que não
Depois de ejacular espera por outra ereção
O ânus precisa de mais lubrificação
Por mais que se reprima nunca seca a secreção
O corpo não é templo, casa nem prisão
Uns comem outros fodem uns cometem outros dão
Por graça por esporte ou tara por amor ou não
Velocidade se controla com respiração
O pau se aprofunda mais conforme a posição
O tato mais experiente é a palma da mão

Manuel Maria Barbosa du Bocage

Lá quando em mim perder a humanidade

Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia – o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

Não quero funeral comunidade,
que engrole sob-venites em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:

"Aqui dorme Bocage, o putanheiro:
Passou a vida folgada, e milagrosa:
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro."